Publicado pela primeira vez em 1980, o estudo de
Stephen Greenblatt, Renaissance Self-Fashioning: From more to
Shakespeare, foi uma grande contribuição para a concepção acerca do
indivíduo Renascentista. Greenblatt, em seu estudo, se posiciona contra teorias
que negam qualquer relação entre obra e vida social e também que esta última é
livre de interpretação. Primeiramente ele trata a questão da autonomia na
modelagem do indivíduo (em sua self-fashioning, como coloca) como
uma falsa sensação de liberdade. Não há, propriamente, autonomia: ela é, na
verdade, controlada por poderes maiores de influência como a família, o Estado
e a Igreja. O poder de obrigar o indivíduo a modelar-se em certos padrões é uma
questão de ter poder sobre a identidade, seja a própria ou a do outro.
O século XVI, no que diz respeito à identidade do
indivíduo, é marcado por uma crescente autoconsciência da formação da
identidade como um processo manipulável e artificioso. Há, no início dos
tempos, uma mudança nas estruturas intelectuais, sociais, psicológicas e
estéticas que governam a produção de identidades[1]. É também no século XVI que fashion passa
a ser uma palavra de grande circulação e começa a ser usada como um modo de
formar do indivíduo. Essa formação é entendida, como afirma Greenblatt, tanto
como uma imposição física sobre uma pessoa quanto uma delineação menos
aparente, encontrada em um determinado modo de pensar e comportar-se.
A essa última concepção de fashion o
modelo mais recorrente é encontrado na figura de Cristo. Assim observamos
quando Tyndale, na tradução de uma epístola aos
Romanos, associa fashion à figura de Jesus ao
dizer: “he fashioned unto the shape of his son”, ou o Arcebispo Sandys, na sua
tradução de Geneva de 1557
do Novo Testamento, de modo parecido declara: “[he] was disfigured
to fashion us, he died for our life”.
O texto de Thomas Greene, A Flexibilidade Do Self Na Literatura Do Renascimento, tem como
objetivo falar da liberdade e autodeterminação humanas na literatura do
Renascimento. Greene nos mostra que as manifestações artísticas e intelectuais do
período renascentista apresentavam uma visão sobre o homem muito diferente
daquela dos períodos anteriores. Antes, o homem estava fadado a ocupar uma única
posição na sociedade. Se servo, sempre servo; se nobre, sempre nobre.
É verdade que desde antes do Renascimento, a possibilidade de subverter essa determinação social já existia, mesmo que
bastante timidamente. Porém, é com o Renascimento que a possibilidade de o
homem se autodeterminar ganha força. A citação de Pico Della Mirandola (um
filósofo humanista do Renascimento Italiano), presente na obra Discurso Sobre a Dignidade do Homem, é pertinente:
[...]
nem celeste nem terreno, mortal ou imortal, de modo que assim, tu, por ti
mesmo, qual o modelador e escultor da própria imagem, segundo tua preferência
e, por conseguinte, para tua glória, possas retratar a forma que gostarias de
ostentar. Poderás descer ao nível dos seres baixos e embrutecidos; poderás, ao
invés, por livre escolha de tua alma, subir aos patamares superiores, que são
divinos.
É, também, importante ressaltar que a doutrina da
indeterminação da natureza do homem choca-se com uma outra doutrina: a da defesa
da inalterabilidade da natureza humana. Esta última é comum a Aristóteles e os
Escolásticos.
Para explicar-nos como se dá essa nova concepção da
performance humana na sociedade, Greene traz o conceito de “Flexibilidade”. “Flexibilidade”
está, basicamente, ligado à ideia de ser capaz de “esculpir” sua “própria
imagem”, a possibilidade de reconfigurar seu próprio eu.
[1] GREENBLATT, S. Renaissance
self-fashioning: from more to Shakespeare. Chicago & London: The
University of Chicago Press, 1980.
GREENE,
T. A flexibilidade do self na literatura
do Renascimento. In: Histórias &
Perspectivas. N. 32. Uberlândia: EDUFU, 2005.
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